UMA ARQUEOLOGIA DA IMPRESSAO, LUDWIG SEYFARTH 2018
erschienen in: O PODER DA MULTIPLICAÇÃO/ DIE MACHT DER VERVIELFÄLTIGUNG, KERBER VERLAG 2018 Deutsch/ Portugiesisch
2017, object I, etching, 30 x 30 cm
2018, etching, 120 x 60 cm
A resina restante na chapa era aquecida com a chapa até aderir completamente à sua superfície e, por último, a chapa era banhada em ácido, como no processo tradicional à água-tinta. O fato de o procedimento de submeter a chapa a uma "chuva" de pó de resina recorda corpos soterrados por uma chuva de cinzas e, posteriormente, redescobertos, como em Pompeia, é uma associação intencional. Para a artista, é importante essa dimensão arqueológica, a "arqueologia" da competência cultural da gravura que, em tempos digitais, está cada vez mais ameaçada de desaparecer. Nessa lógica, inserem-se as “estampas” assim produzidas, reproduzindo também todas as ferramentas empregadas no processo de impressão.
As gravuras prontas não são penduradas nas paredes, mas sim colocadas sobre
pequenos pedestais para que sejam vistas de cima, como achados arqueológicos a serem
posteriormente expostos em vitrinas. Os pedestais, construídos com tijolos e distribuídos
pelo espaço como um grupo de esculturas, lembram uma paisagem de ruínas.
E, como no caso de achados arqueológicos, os objetos assim reapresentados não podem mais ser identificados precisamente, parecendo, em parte, singularmente estranhos e distantes. Com isso, é colocado, em primeiro plano, o deslocamento das coisas a partir de seu processo de tradução, ou seja, aquilo que fica no entremeio do significado e do uso das coisas.
É em torno desse "entremeio" que gira também outra série de "estampas". Nesse caso, foram colocados papéis sobre grades, de cuja parte inferior a artista, a seguir, aproximou uma chama de fogo. Os papéis foram heterogeneamente enegrecidos pela fuligem, enquanto as partes cobertas pela grade permaneceram, em sua maioria, brancas. Outra vez desponta aqui o "entremeio" – a grade, ou o arame, surgindo como um clarão diante do negro devorador do fogo. Este procedimento lembra um fotograma, em que um papel fotossensível é exposto diretamente à luz, sem câmera. Também as "gravuras em
metal", nas quais as partes cobertas pelos objetos aparecem como negativos, isto é, claras, poderiam ser inicialmente tomadas como fotogramas. E quando vemos a silhueta do torso da artista, isso nos lembra a radiografia de um corpo. Ou, numa outra associação arqueológica mais moderna, podemos recordar as sombras de Hiroshima, os contornos das vítimas gravados no chão pela radiação da explosão atômica. Em última análise, porém, aquilo que vemos permanece aberto para muitas interpretações. As partes em branco, que remetem às diferentes coisas colocadas sobre a chapa, permitem apenas uma intuição dos contornos de suas formas, fazendo-nos ocasionalmente pensar em matéria orgânica, como em ossos encontrados num sítio arqueológico e ali dispostos um a um para serem classificados.
Seu resultado imagético pode ser comparado com o ponto de partida de outro projeto marcante de Hennenkemper. Como bolsista na Edvard Munch Haus, em Warnemünde, ela visitou, em 2012, uma exposição do renomado pintor e desenhista norueguês Olav Christopher Jenssen. A série de mais de cem desenhos do artista como que seguia o rastro biográfico de seu famoso compatriota. Na residência de verão de Munch, em Åsgaardstrand, na Noruega, Jenssen desenhou os esboços de diversos objetos que faziam parte do ambiente doméstico de Munch e que ainda hoje podem ser vistos por seus visitantes. Os desenhos de Jenssen reproduzem o contorno das coisas, mas não sua aparência exata e seu volume corporal. Isso inspirou Hanna Hennenkemper a utilizar os desenhos de Jenssen como modelos e como que os "preencher" com minuciosas texturas a lápis. Podemos reconhecer aí uma espécie de "telefone sem fio", em que, ao longo de lacunas, notas pessoais e de próprio punho, ao final, resultam em algo provavelmente muito diferente do que no começo.
Dessa maneira, a artista também faz uma alusão aos pontos-cegos e às lacunas que são imanentes a toda forma de tradução e transposição, inclusive, na transmissão da tradição histórica.
Ludwig Seyfarth, 2018
Historiador de arte e jornalista, curador da Fundação KAi 10/Arthema em Düsseldorf, vive em Berlim.