artmap.com
 
DAVID HAINES
 

FOLHA DE S. PAULO - SP 21/05/2008 - 08:49

Artista explora cultura de massa e tensão sexual
Na galeria Luisa Strina, inglês David Haines retrata jovens rapazes e seus tênis

Silas Martí

"Eu compro sapatos usados porque neles você sente o cheiro da pessoa que usou, o gosto", diz artista que expõe pela segunda vez no Brasil

As mãos de David Haines parecem macias demais para um homem obcecado por pés -na verdade, sapatos. Ele tira as luvas grossas que usava na montagem e deixa ver a pele fina das palmas ao receber a reportagem da Folha na galeria Luisa Strina, em São Paulo.

Estranha a delicadeza porque é com essas mãos de aspecto frágil que ele desenha a lápis odes ao sapato como instrumento e objeto de humilhação e desejo -as 11 telas grandes e pequenas expostas a partir de hoje na galeria dos Jardins.

"Eu compro sapatos usados, porque neles você sente o cheiro da pessoa que usou, o gosto. Dá para chegar perto de alguém só pelos pés", diz Haines.

Nascidos desse fetiche, seus desenhos retratam jovens rapazes e seus tênis, em rituais estranhos e poses com um ar blasé. Não disfarçam uma forte tensão sexual, que vem embalada por uma reflexão sobre a cultura de massa e a junk food.

"São todos garotos de programa que eu encontrei na internet e pedi que posassem para mim", conta Haines. "As imagens não são sexuais, mas há um grande desejo por trás."

Haines diz tentar organizar o caos da vida on-line rastreando a mitologia que se cria em torno de personalidades fake, cibernéticas. Não quer contar uma história, mas capturar uma imagem que permita várias leituras, seja pelo confronto direto com o retratado, seja pelas marcas e símbolos reproduzidos nas imagens. Sobre os logos de Nike, McDonald's e Adidas que aparecem nos retratos, esclarece que não se trata de um discurso contra o marketing corporativo. "Marcas conhecidas são símbolos reconfortantes. Se você anda por uma rua escura e desconhecida e vê uma placa do McDonald's, é algo que dá confiança", diz Haines.

Mas fora desse discurso, chama a atenção o desenho que recria com um realismo fotográfico as dobras nos tecidos, a textura dos tênis, o arrepio dos cabelos desses jovens. Valoriza a representação e surpreende num momento em que a arte despreza o figurativo.

Na entrevista, ele pára e olha de perto os desenhos e aponta cada detalhe que copiou do tênis original. Chega a arriscar excessos como dizer que Rembrandt dava a mesma atenção à luminosidade em sua obra.

Todo o apuro, apesar da excentricidade do tema, seria convencional, não fosse Haines um artista contemporâneo. Respaldado pela busca on-line de seu leitmotiv, consegue dar carga atual a seus desenhos.

Mas não passa em branco o fato de esses serem retratos de rituais sadomasoquistas e de forte apelo fetichista -fator de choque que se perde com graça na técnica clássica.