MASP Museu de Arte de Sao Paulo

Max Ernst

Uma Semana De Bondade

23 Apr - 25 Jul 2010

Max Ernst, Uma Semana De Bondade, 1933
Após uma sequência de cinco exposições de arte vindas da Espanha - entre elas as gravuras de Goya, em 2007; Desenhos Espanhóis do Século 20, em 2008; e Walker Evans, em 2009 - o MASP traz ao Brasil em parceria com a Fundación MAPFRE uma das exposições de maior repercussão na Europa nos dois últimos anos: Max Ernst - Uma semana de bondade, que fica de 23 de abril a 25 de julho, na Galeria Horácio Lafer, 1o andar do Museu.

A mostra - que iniciou em 2008 sua itinerância inédita após mais de 70 anos - passou pelos museus Albertina (Viena), Max Ernst (Brühl), Kunsthalle (Hamburgo), Fundación MAPFRE (Madri) e D'Orsay (Paris) e debuta na América pelo MASP, trazendo suas provocações e preciosidades: entre as 184 colagens originais e de extrema fragilidade estão cinco obras jamais expostas ao público. Sob alegação de blasfêmia, elas não participaram da única exposição realizada com as colagens, em 1936 em Madri, na Biblioteca Nacional, atual sede do Museu Nacional de Arte Moderna.

Terceiro romance-colagem de Ernst - que já havia produzido La femme 100 têtes (1929) e Rêve d'une petite fille qui voulut entrer au Carmel (1930) -, Uma semana de bondade foi criada em 1933, auge do movimento surrealista, durante uma viagem de três semanas à Itália, precisamente ao Castelo de Vigoleno, cidade medieval da Emilia-Romagna. Recortando uma série de imagens de livros, jornais, romances e revistas populares na Europa desde 1850, o artista transformou entretenimento em uma ação de alerta e revolta contra os valores da época.

No entanto, o processo de "colagem" da série já começou bem antes, pela escolha do nome: La semaine de la bonté foi uma associação de ajuda mútua fundada em 1927 para promover o bem-estar social em Paris. Neste período, a capital francesa foi inundada por cartazes da organização buscando apoio da sociedade. Ernst pegou "emprestado" o nome e fez de Uma semana de bondade uma alusão ao relato bíblico da criação da Terra.

A gênese surrealista
A coleção é divida pelos dias da semana e deu origem a cinco livros lançados em 1934 (os três últimos dias - Quinta-feira, Sexta e Sábado - reunidos em um único por não ter a coleção alcançado as expectativas comercias). Nas colagens Ernst afastou-se da concepção bíblica, criando seu próprio Gênesis: o Domingo surrealista é recheado de orgias, violência, blasfêmia e morte, primeiro contraponto significativo ao "dia de descanso". Homens com cabeças de leão, símbolo do poder, é ironia recorrente nas 35 colagens intituladas O leão de Belfort, na qual as obras são individualizas por sequência numérica, recurso utilizado em todos os dias da coleção, além de obedecerem a um elemento chave, neste caso, a "Lama".

Composta por 27 trabalhos, Segunda-feira, cujo nome e elemento são denominados "Água", narra quão insignificante é o poder das autoridades diante a força da natureza: águas invadem e arrasam toda a cidade de Paris, questionando os valores exercidos pela burguesia da época, em críticas ainda coerentes aos dias de hoje. A sequência se mantém na mesma esfera: homens com asas de dragões e serpentes presentes em situações da rotina da classe privilegiada compõem as 45 obras da irônica Terça-feira, representada pela série A corte do dragão dentro do elemento "Fogo".

O caráter mítico de Édipo é abordado sob o elemento "Sangue" nas 29 colagens de Quarta-feira, batizada com o nome do mito grego. O episódio em que Édipo teve o pé ferido por seu próprio pai, seu reencontro fatídico no qual assassina seu progenitor e posteriormente o enigma proposto pela Esfinge, são simbolizados por homens com cabeças de pássaros nas mais diversas situações, num triste sarcasmo que escancara o eterno receio da tragédia por vezes imposto pelo destino, inerente às escolhas.

A Quinta-feira é subdividida em O riso do galo, que conta com 16 colagens, e A Ilha de Páscoa, formada por outras dez. Ambas sob o elemento "Escuridão" abordam as diferentes formas de poder: na primeira, o galo gaulês, símbolo do estado francês, é presente em todas as imagens, inclusive como parte do corpo dos protagonistas da cena. Em A Ilha de Páscoa, situações de intimidade são exibidas sempre com um de seus personagens usando máscaras. Nestas duas séries, Ernst preenche o espaço intermediário das colagens com tinta ou lápis, criando uma cena que evoca paisagem ampla.

Representada por Um poema visível, Dois poemas visíveis e Três poemas visíveis (compostos por seis, quatro e duas colagens, respectivamente), a Sexta-feira obedece ao elemento "Visão". Aqui imagens emblemáticas abordam o interior, a estrutura do humano e do ambiente que o cerca: corvos, caveiras e uma série de símbolos são utilizados nas três divisões. Neste "dia" Ernst retoma o uso da colagem sintética, método utilizado por ele no início de sua carreira, no qual elementos heterogêneos são colocados sobre uma folha de papel branco.

O Sábado, último dia da semana, batizado A chave das canções, referencia ao elemento "Desconhecido", onde toda a preocupação com a realidade é abolida. Mulheres em transe deixam suas camas e quartos para voar, cenas retratadas nas dez obras em que Max Ernst ilustra o fascínio surrealista com a histeria libertadora e inspiradora.

A narrativa da coleção se apoia unicamente na imagem, convertendo-se no ponto máximo do chamado romance-colagem e num dos maiores expoentes do surrealismo. A técnica empregada por Ernst nesta coleção cuidou para que os pontos de união, onde usou a colagem, fossem imperceptíveis com o objetivo de que a ilusão ótica criada pela colagem fosse completa, dando lugar a uma "nova" realidade.
Com este trabalho, Max Ernst rompeu as fronteiras entre gêneros e técnicas e transformou Uma semana de bondade em um dos temas principais do surrealismo - e ataca reservadamente àqueles que consideravam, naquela ocasião, este um movimento essencialmente literário.

Sobre o artista
Max Ernst (2 de abril de 1891, Brühl, Alemanha - 1 de abril de 1976, Paris, França) é provavelmente um dos poucos artistas que reinventou a si mesmo ao longo de toda sua vida. Ao lado de Picasso, fez parte de alguns dos grupos e movimentos de vanguarda mais importantes do século 20. Porém o que caracterizou em todo momento sua trajetória foi a capacidade de seguir adiante, sempre à frente destes movimentos, convertendo-se assim em referência e influência não só para seus contemporâneos mas também para os artistas atuais, entre eles artistas díspares como Cindy Sherman, Neo Rauch e Julie Nord.

A capacidade de Max Ernst criar um universo e um olhar próprio, diferente e singular, o transforma em um dos artistas de referência no século 20 e também em um dos mais complexos e mutáveis. Dadaísta, surrealista, poliglota e ávido leitor, Ernst desenvolveu um universo absolutamente particular e pessoal. Por conta de sua deslumbrante e afiada inteligência, além da sensibilidade e senso de humor ácido e irônico, é possível encontrar influências de Ernst em toda a história do século. Essa mistura de curiosidade e constância que encaixa o discurso do artista é a base sobre a qual foi construído o olhar de Ernst: uma busca incansável, onde, como diziam os sábios gregos, é muito mais importante o caminho que a chegada.
 

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